Voto será decisivo para florestas, biodiversidade, clima e povos indígenas

Com base no histórico dos candidatos e nos compromissos das campanhas de Lula e Bolsonaro, pesquisadores da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) alertam para significado do resultado das urnas para o meio ambiente  

As eleições deste domingo são determinantes para o futuro das florestas, da biodiversidade, dos direitos de povos indígenas e do papel do Brasil no enfrentamento da crise climática global. Esta é a opinião de pesquisadores da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), que observam lacunas nas propostas ambientais dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), mas percebem diferenças claras nos compromissos entres os dois postulantes ao cargo.  

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Para Carlos Rittl, membro da RECN e especialista em política internacional da Rainforest Foundation da Noruega, se Jair Bolsonaro for reeleito deve acelerar seus ataques ao meio ambiente e povos da floresta, que já levaram a um aumento de 73% no desmatamento na Amazônia e crescimento da violência contra comunidades indígenas nestes últimos quatro anos. “Ele encaminhou várias propostas ao Congresso visando abrir terras indígenas para a mineração, agropecuária em larga escala e infraestrutura sem consulta a populações que seriam atingidas e para o enfraquecimento das regras do licenciamento ambiental de grandes projetos de infraestrutura e atividades econômicas com alto potencial de impacto no meio ambiente”, lembra Rittl.  

O pesquisador avalia que, caso seja reeleito, Bolsonaro deve fortalecer seu compromisso com os setores ruralista e da mineração para aprovação de novos projetos que facilitem suas atividades. “O resultado disso seria catastrófico para florestas de todos os nossos biomas e para os povos indígenas e comunidades tradicionais, assim como para as emissões brasileiras de gases de efeito estufa, que aumentariam ainda mais”, pontua Rittl, que também é ex-secretário executivo do Observatório do Clima.  

Em relação ao ex-presidente Lula, Rittl pondera que, apesar dos problemas ambientais durante seus dois mandatos (2003-2010), houve queda da taxa anual de desmatamento na Amazônia em 68%, devido à ampliação de áreas protegidas e demarcação de várias terras indígenas, e tudo em um período em que a produção e o PIB agrícolas cresciam sistematicamente.  

“Enquanto candidato, Lula tem prometido reconstruir políticas ambientais que foram abandonadas pela gestão Bolsonaro, como o Fundo Amazônia e os planos de combate ao desmatamento. Se eleito, seu governo tende a fortalecer os órgãos ambientais e a Funai, recuperar seu orçamento, combater crimes ambientais e proteger nossos parques, reservas e terras indígenas. Isso levaria a uma redução significativa nas taxas de desmatamento em todo o Brasil, assim como nas ameaças aos povos de nossas florestas”, analisa o pesquisador.  

Para Philip Fearnside, também membro da RECN e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), um segundo mandato de Bolsonaro seria muito prejudicial para a Amazônia, tendo em vista o que ocorreu no país nos últimos quatro anos. “Ao mesmo tempo, deve-se mencionar que a eleição de Lula, embora muito mais promissor para o meio ambiente do que Bolsonaro, também exigiria que os preocupados com as questões ambientais prestem muita atenção ao longo de seu mandato. Afinal, no seu governo anterior, o Lula construiu a hidrelétrica de Belo Monte e hoje diz que faria tudo de novo”, reflete o pesquisador.  

Fearnside, que também é membro da Academia Brasileira de Ciências e o segundo cientista do mundo em citações sobre aquecimento global, pondera que os indígenas impactados pelas hidrelétricas não costumam ser consultados em projetos de barragens. O pesquisador lembra ainda que a aprovação de uma primeira versão da “lei dos grileiros”, em 2004, durante o primeiro mandato de Lula, facilitou a legalização de reivindicações de terras ilegais. “Retirar Bolsonaro não significaria que a Amazônia esteja salva. Os países que importam soja e carne bovina do Brasil, por exemplo, não devem pensar que restrições ambientais a essas commodities sejam desnecessárias”, afirma Fernside.  

Os pesquisadores concordam que, independentemente do resultado das eleições, não será tarefa fácil recuperar o caminho da proteção ao patrimônio natural brasileiro. Em 2023, o governo terá de gerir o orçamento ambiental mais baixo das últimas décadas, acordado entre Bolsonaro e sua base de apoio no Congresso Nacional. “Além disso, um novo governo teria de lidar com máfias muito estruturadas de criminosos ambientais que lucraram muito com a destruição de florestas e a certeza de impunidade”, afirma Rittl.  


Foto: Tamara Saré – Agência Pará

Um caminho possível para recuperar o terreno perdido na área ambiental seria a busca por parcerias internacionais. “Países ricos têm demonstrado a intenção de apoiar a redução de desmatamento, como Estados Unidos, Noruega e países da União Europeia. Isso poderia compensar as dificuldades que um eventual governo encontraria quando tomasse posse”, observa o pesquisador.  

Sobre a Rede de Especialistas

A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores.

Entenda o que está em jogo com o Projeto de Lei da caça esportiva no Brasil

Reuber Brandão, professor da UnB e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, analisa argumentos dos defensores do PL 5.544/20 e avalia os riscos à conservação da biodiversidade

O Projeto de Lei 5.544/2020, que libera a caça esportiva no Brasil – permitindo perseguição, captura e abate de animais – foi retirado da pauta da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados na última semana, após uma série de obstruções de parlamentares contrários à medida. “A forte mobilização da sociedade civil brasileira e o entendimento que as pessoas possuem sobre o valor intrínseco da vida fizeram com que os apoiadores do PL recuassem. Mas é provável que o tema volte à pauta em algum momento e, por isso, devemos ficar atentos”, afirma Reuber Brandão, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor de Manejo de Fauna e de Áreas Silvestres na Universidade de Brasília (UnB).

Diante da dificuldade em fiscalizar as áreas naturais em todo o país, a permissão à caça pode fazer com que muitas espécies silvestres sejam vistas como troféus. “A tendência é a busca pelos animais mais raros e únicos, aumentando a pressão sobre as espécies que são topo de cadeia, que precisam de grandes áreas preservadas para viver. Incentivar essa prática me parece uma covardia”, frisa o professor da UNB. Algumas das espécies que poderiam entrar na mira dos caçadores são a onça-pintada, a anta, o tamanduá-bandeira e o lobo-guará.

O especialista reforça que esse tipo de proposta vai na contramão dos esforços mundiais pela preservação das diversas espécies ameaçadas de extinção. “O Brasil precisa de um modelo de desenvolvimento que valorize a sua incrível biodiversidade e não de propostas que aumentem a pressão sobre a nossa fauna, que já enfrenta dificuldades por causa do desmatamento, de incêndios e outros enormes desafios”, afirma.

Para Brandão, a tentativa de colocar o PL 5.544/20 em votação é um aceno dos deputados ao atual governo, alicerçada em uma falsa noção da ampliação das liberdades individuais. Facilitar o acesso da população a armas é uma das principais bandeiras nesta direção. “Sob este pretexto, a tentativa revela, tão somente, uma percepção egoísta que pressupõe a ausência de limite do comportamento do indivíduo na sociedade. Entendo que a garantia de liberdades individuais não pode se confundir com ausência de responsabilidade coletiva. Na área ambiental, essa ideologia somada aos esforços para enfraquecer os órgãos de fiscalização e controle pode gerar um ambiente de total descontrole, que certamente vai trazer mais ameaças a muitas espécies da nossa fauna”, argumenta Brandão.

Um dos argumentos em defesa da aprovação do PL 5.544/20 é o aumento da interação entre o ser humano, os animais e a natureza. Na visão do professor da UnB, a apresentação deste raciocínio beira o surreal. “Presume que as pessoas querem ter interação com o sangue, a morte e a extinção dos animais. Não consigo entender que tipo de benefício um PL como esse pode trazer ao país. Pelo contrário, pode reforçar a ideia de que o Brasil realmente não tem compromisso com a sua rica biodiversidade”, finaliza.

Conforme Enquete Pública realizada no site da Câmara, a ampla maioria da sociedade civil brasileira é contra a caça por esporte. O levantamento mostrou que 97% dos votantes (71.614 votos) se dizem “totalmente contrários” ao PL. Existe a possibilidade de o projeto ser submetido a audiência pública antes de voltar à apreciação da Câmara.

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Sobre a Rede de Especialistas

A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores. Acesse o Guia de Fontes clicando aqui.

N.R.: tentativas como esta me fazem sentir vergonha de viver no Brasil atual.